top of page
GOPR6717.JPG

Blog da Ginga

Entrevista com Caio Vilela, fotógrafo que viajou o mundo registrando o futebol de rua.

A fotografia é uma das grandes paixões e atividades do nosso movimento. Adoramos usar essa ferramenta para registrar, expressar e compartilhar todas as manifestações e belezas estéticas e culturais expressadas pelo futebol, esporte que tanto amamos.

Uma das nossas inspirações na área é Caio Vilela, paulistano nascido em 1970, alguns meses antes da conquista do tri-campeonato na Copa do México. Acompanhamos e admiramos seu trabalho há alguns anos, e finalmente rolou de conhecê-lo pessoalmente. Em visita em sua casa, no bairro de Pinheiros em São Paulo, Caio nos contou sobre sua trajetória, sua conexão com o futebol e seus diversos projetos e experiências ligadas ao trabalho fotográfico sobre o futebol de rua.


Antes de entrar na íntegra da entrevista, agradecemos imensamente ao Caio, que desde o início foi bem parceiro e receptivo conosco, e ainda nos doou 10 de suas fotografias, impressas em tamanhos variados. Em breve daremos um destino nobre essas ampliações e informaremos por aqui como elas nos ajudarão em projetos futuros.


Com vocês, uma entrevista com Caio Vilela.



1. Vamos lá, nos conte um pouco sobre sua carreira e trajetória profissional.

[Caio] Sou natural de São Paulo/SP. Fiz três faculdades, mas acabei não me formando em nenhuma. A última delas foi a que mais gostei: Geografia na USP. Quando estava prestes a me formar, comecei a colaborar com matérias de viagens para o Jornal da Tarde, fazendo texto e fotos. Na época o dólar estava 1 para 1, então eu vendia algumas poucas matérias e já saia viajando pra fora do país com o dinheiro. Então resolvi largar da faculdade e seguir trabalhando de guia e de repórter freelancer. Nos anos 90 meu trabalho era guiar grupos de estudantes em viagens por Parques Nacionais e produzir textos e fotos para jornais e revistas da Editora Abril, Editora Globo, Folha de SP, Estadão, Trip e outras editoras. Até que em 2002 comecei no trabalho que faço hoje: de pesquisa e produção em campo para equipes de TV estrangeiras no Brasil.





2. Qual a sua conexão com o futebol?

[Caio] Eu não ligo pro futebol profissional. Não visto camisa, não vejo pela TV, não jogo, não acompanho campeonato, nem sei o nome do goleiro do meu time. Não ligo se meu time ganha ou perde, e não catequizo meus filhos a terem paixão por um time ou um jogador. Mas já fui em estádio em pelo menos 30 países diferentes. Taí uma experiência que adoro e não importa em qual torcida estou. Já vi jogos nas torcidas de quase todos principais times de SP, RJ, MG, SC e Nordeste. Sou corintiano desde os 7 anos de idade, mas confesso: tenho fotos com 2 anos de idade vestido com o uniforme do São Paulo (ideia de um avô fanático) e "tive que ser" palmeirense dos 3 aos 6 anos de idade, pois frequentava uma escolinha na Pompeia, o bairro mais "verde" de Sampa. Em 1977, aos 7 anos de idade, resolvi que era corintiano ao acompanhar meu pai arquiteto (que também nunca ligou pra futebol, mas é corintiano) em visitas a obras, e testemunhar sua boa relação com os pedreiros (todos corintianos em festa, por ter quebrado o histórico jejum de títulos). O que me encanta mesmo é ver o futebol acontecendo na rua, na praia, na várzea. A molecada descalça jogando em qualquer condição, de forma espontânea e improvisada, anarquizando espaços públicos. Ali me sinto fotografando a relação pura do coração da molecada com o esporte, sem nem um tipo de interferência no meio. Pra mim isso é uma forma de arte. É dessa forma que eu gosto e admiro o futebol.


3. E como surgiu a ideia de começar a fotografar o futebol?

[Caio] Sempre viajei muito a trabalho, como guia ou repórter freelancer. A ideia de começar a registrar o futebol de rua surgiu por acaso em 2003 durante uma viagem ao Irã para produzir uma matéria para a revista de bordo da Varig. Em um dia, por acaso, fotografei uma molecada jogando bola em Yazd, uma cidade no meio do deserto, bem no centro do Irã. Os meninos estavam jogando bola bem em frente a uma fachada de arquitetura islâmica muito simbólica da cidade. A foto foi publicada na revista, e ao vê-la ocupando página inteira, tive a ideia de ficar de antena ligada na estrada para tentar fazer registros fotográficos a cada momento que meu caminho topasse com o futebol de rua. Com o tempo, percebi que as imagens que tinham mais força eram aquelas que mostravam o futebol acontecendo em algum lugar icônico. Hoje, se vejo o futebol acontecendo em uma praça qualquer, não me interessa muito em fotografar. Mas flagrar o futebol informal acontecendo em um campinho rodeado de uma paisagem natural ou urbana que simbolizem a região, aí me desperta total interesse. Me esforço também para registrar jogadores de distintos tipos étnicos. No livro "Futebol Arte, do Oiapoque ao Chuí"(editora Grão, 2013) há fotos de peladas jogadas por caiçaras, indígenas, quilombolas, ciganos, descendentes de japoneses, judeus, muçulmanos e outros brasileiros.


4. Quais são seus projetos de fotografias ligados ao futebol?. Pode nos contar um pouco sobre eles?.

[Caio] O foco do meu projeto é registrar o futebol de rua, de preferência em lugares icônicos da região visitada. Tendo iniciado em 2003, hoje tenho registros de peladas em 107 países, todos estados brasileiros e 22 regiões da Rússia. Com esse material faço exposições, livros e ensaios. Para separar um pouco o Brasil do resto do mundo, intitulei "Bola de Rua" para as fotos feitas no Brasil e “Futebol Sem Fronteiras" as fotos pelo mundo. Tenho 6 livros publicados de futebol, sendo que dois deles são de fora do Brasil (Goal! pela editora inglesa Frances Lincoln e Strassenfussball, pela editora alemã Spielmacher). Uma exposição que gosto de recordar aconteceu em Doha, com fotos de futebol de rua no Catar, Síria, Palestina, Marrocos, Omã, e mais 10 países árabes.



5. Você já visitou os 26 estados brasileiros para registrar o futebol. Qual deles te chamou mais a atenção ou te marcou de maneira mais especial?.

[Caio] Em 2012, através da Lei Rouanet, a Nike patrocinou a produção do livro ‘Futebol-Arte, do Oiapoque ao Chuí'. Entre janeiro e setembro daquele ano fiz 8 viagens de 15 dias cada para clicar as peladas em todos estados brasileiros. Viajei sozinho no Norte, Nordeste e centro-Oeste, e com assistente e carro alugado no Sul e Sudeste. As regiões que mais me chamaram a atenção foram o Nordeste e a Amazônia, por terem tanto futebol na rua. Observei durante minhas viagens que o termômetro do futebol de rua é a condição social: quanto mais pobre a região, mais futebol na sua se encontra. Na Alemanha ou na Dinamarca todo mundo tem um campo limpo, chuteiras, horários para jogar. Já nos países africanos tudo é improvisado: jogadores descalços, bolas feitas de lixo, traves de bambu. No Nordeste e na Amazônia é assim também. Na Amazônia tem muitas formas improvisadas de jogar, campinhos vivem alagados, calçados são raros. Em todas as regiões vi algo curioso: no Rio Grande do Sul fotografei um gaúcho que fazia embaixadinha em pé em cima de seu cavalo. Outro momento que gosto de destacar é o “futilama", que flagrei em Macapá. A capital amapaense fica à margem do Rio Amazonas, bem onde suas águas encontram com o mar. Quando baixa a maré, o nível do rio desce muito e abre um espaço enorme de fundo de rio coberto de lama, onde todo mundo joga futebol com traves móveis. Levanta muita lama, é bonito de se ver. É um ritual bem tradicional na cidade e merece ser tema de documentário!


6. Dentre tantas fotos, tem alguma que é sua preferida e/ou mais especial?.

[Caio] Uma imagem que gosto muito é a usada na capa do livro ‘Futebol Arte'. Aquela é uma foto que simboliza muito o espírito do futebol de rua: dá pra ver os olhos dos moleques brilhando, uns descalços, outros com chuteira. Foi clicada na periferia de Porto Alegre/RS em um chute rebatido de escanteio. No Iêmen fotografei uns muçulmanos sunitas jogando bola de futtah (a saia masculina) sobre o leito seco do rio Hadramout. Na Antártida fotografei os tripulantes de um navio russo jogando futebol com uma bola vermelha. Em Galápagos fotografei pescadores jogando em um terreno vulcânico. No Brasil, O “futilama” de Macapá, que já comentei aqui também, marcou bastante. Essas são as minhas preferidas.


7. E para finalizar, tem algum plano futuro e/ou sonho que você quer realizar?

[Caio] Tenho algumas ideias em mente, para dar continuidade ao projeto Futebol Sem Fronteiras. Uma coisa que adoraria fazer é viajar pela África distribuindo bolas

de futebol oficiais de algum patrocinador, e coletando bolas de lixo (porque a molecada vivendo na precariedade por lá faz bolas de lixo, né?). O Museu do Futebol curte e apoia a ideia, e tem a intenção de expor as bolas coletadas com destaque, como se fossem verdadeiras obras de arte. Pensei em escolher 10 países africanos que ainda não visitei e, sonhando alto, durante essa jornada iria fotografar e filmar as buscas e as trocas pelo caminho, acompanhado de um cinegrafista. Outra ideia, aproveitando o embalo da Copa de 2022 no Catar, é fazer um giro pelos últimos países árabes que me falta visitar : Kuwait, Arabia Saudita, Argélia, Líbia, Iraque e Emirados Árabes, para fotografar os boleiros em ação, e assim somar com as fotos que já tenho para produzir exposições e publicações com um material rico e completo sobre futebol de rua no mundo árabe. Faca e queijo na mão, só me falta aparecer um patrocinador entusiasmado com a ideia!.






4 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page